31 março 2011

TOP 1964 - As Aventuras de Tom Jones

Peço licença para voltar um pouquinho no tempo até o Oscar de 1964, quando um dos grandes sucessos do ator Albert Finney levou para casa a estatueta-mor da cerimônia (para quem não se lembra, Finney ultimamente participou de filmes como Traffic, Peixe Grande, O Ultimato Bourne e Erin Brockovich). As Aventuras de Tom Jones narra a história de um garoto pobre (Jones) que, abandonado, é encontrado por uma família nobre do século XVIII e criado até a idade adulta. Por carga genética (ou não – pois não se sabe quem é seu pai) Tom se torna exageradamente mulherengo, usando as mulheres do reino a seu bel-prazer e inclusive atrapalhando os planos da aristocracia local. De repente conhece Sophie Western (Susannah York), por quem se apaixona e tem de conter seus instintos para viver esse amor, fardo duro para o galinha Tom Jones.

O roteiro é simplório, sem grandes pretensões ou complexidades. O que se vê é o que se passa na tela. A caracterização dos personagens é extremamente caricata, fazendo com que a trama se torne inverossímil e boba. Não há identificação com o espectador, que espera uma história digna de vencer o Oscar, e não mais uma comédia de costumes que pretende divertir com piadas preconceituosas, de baixo calão, alusivas ao sexo e artifícios que usam o corpo para prospectar uma possível audiência.

Se não fosse a técnica apurada e super original, a obra seria um total fracasso (pelo menos dentro do meu conceito de cinema de qualidade). Do início ao fim, artifícios inovadores de transição de cenas, trilha sonora e angulações de câmera são utilizadas freneticamente, como uma compensação pela mediocridade do roteiro. Toda a estrutura imagética do longa me remeteu a outras influências cinematográficas, principalmente da época do cinema mudo. Essa influência pode ser constatada certeiramente no prólogo da produção, quando a infância de Tom Jones é contada em preto e branco, por meio de telas negras com legendas, assim como era feito nos primeiros filmes mudos realizados, ao melhor estilo irmãos Lumière e Grifitth.

Por incrível que pareça (já que acho o filme analisado o pior entre os vencedores do Oscar de todos os tempos), As Aventuras de Tom Jones conquistou, além de Melhor Filme, os prêmios de Melhor Diretor, Roteiro Adaptado (um absurdo) e Trilha Sonora (pode até ser). Antes, no entanto, teve de concorrer com quatro outros longas (sinceramente: nenhum merecedor do prêmio): Cleópatra (Cleopatra), Uma Voz nas Sombras (Lilies of the Field), América, América (America, America) e A Conquista do Oeste (How the West Was Won).

OBS: Só para constar, retomei o filme vencedor de 1964 pois não havia conseguido assisti-lo na época em que estava vendo os filmes da década de sessenta.

AS AVENTURAS DE TOM JONES (TOM JONES)
LANÇAMENTO: 1963 (EUA)
DIREÇÃO: TONY RICHARDSON
GÊNERO: COMÉDIA/ AVENTURA
NOTA: 6,0

26 março 2011

TOP 2009 - Quem Quer Ser um Milionário?

2008 foi mais que fértil para o cinema mundial. Entre os lançamentos daquele ano que me ‘pegaram’ de jeito, posso destacar os longas Dúvida, trabalho maduro de Meryl Streep, Amy Adams e Philip Seymour Hoffman; Foi Apenas um Sonho, retorno da união entre Kate Winslet e Leonardo Di Caprio depois de Titanic; A Troca, obra que me fez acreditar em Angelina Jolie e gostar mais ainda da direção de Clint Eastwood; Austrália, um épico de aventura protagonizado por Nicole Kidman e Hugh Jackman que me fez sonhar com as lindas paisagens do país; A Partida, um dos melhores filmes estrangeiros que já vi na vida; e Vicky Cristina Barcelona, drama cômico de Woody Allen estrelado por Penélope Cruz (melhor Atriz Coadjuvante) e Javier Bardem.

As melhores produções do ano, no entanto, foram capturadas pelos olhos atentos dos jurados da Academia e indicadas ao prêmio de Melhor Filme do ano. São elas: Milk – A Voz da Igualdade (Milk), que deu a Sean Penn o título de melhor ator do ano; Frost/ Nixon, O Leitor (The Reader), que fez com que Kate Minslet ganhasse a estatueta de melhor atriz; e O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button), com a marca impressionante de treze indicações, mas a minguada conquista de apenas três prêmios. O grande vencedor da noite, para a surpresa de todos, levou para casa oito estatuetas das dez indicações que obteve.

Estou falando de Quem Quer Ser um Milionário?, obra que lançou definitivamente aos holofotes da cinematografia mundial o diretor Danny Boyle. A produção homenageia a cultura indiana por meio de seu protagonista, Jamal Malik (Dev Patel), um hindu da periferia de Mumbai que resolve participar da versão do seu país do reality show Who Wants to Be a Millionaire?, por amor a Latika (Freida Pinto), uma amiga de infância que, assim como ele, perdeu a mãe para os revoltosos muçulmanos e ficou sozinha no mundo. Juntamente deles, destaca-se Salim Malik, irmão mais velho e ovelha negra da família de Jamal, que nunca quis saber de ganhar dinheiro honestamente ou ter preceitos morais de comportamento.

A linha narrativa do filme é tripartida entre a participação no programa e a mostra da impressionante esperteza de Jamal em responder corretamente todas as questões solicitadas, o passado do protagonista e a explicação, para o espectador, de como as respostas, coincidentemente, fizeram parte de algum momento de sua vida, e as torturas e interrogatórios intermináveis feitos a Jamal pela polícia, a fim de descobrir a verdade sobre o garoto pobre que fica cada vez mais perto de ganhar o maior prêmio concedido pelo programa.

Mesmo com um roteiro clássico e maniqueísta (personagem imaculado, inteiramente bom, sem traços de maldade), torcemos para que Jamal consiga provar sua inocência e ganhar o dinheiro, que não é tão querido para ele quanto o amor da mulher amada, mas que se torna questão de honra após tantas acusações infundadas. O maior mérito do filme (que até nos faz esquecer de alguns detalhes simplórios do roteiro) é a excelência na fotografia, edição e montagem do longa. Boyle usa cores inusitadas, angulações inusuais, cortes e passagens de cenas inesperados e uma porção de técnicas apuradas e cativantes, que fazem com que o ritmo do que se assiste nos encante e não permita que nos distraiamos facilmente.

Para quem ainda não assistiu o filme, não deixe de prestar atenção na cena final, aquela da estação de trem (sem declarar muito). Nela, conseguimos captar, além de uma tentativa de metalinguagem, a essência da cultura indiana, com sua alegria, dinamismo e esperança, mesmo com todas as dificuldades que, o mundo sabe, o país enfrenta desde sempre.

QUEM QUER SER UM MILIONÁRIO? (THE SLUMDOG MILLIONAIRE)
LANÇAMENTO: 2008 (EUA/ REINO UNIDO)
DIREÇÃO: DANNY BOYLE/ LOVELEEN TANDAN
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,0

25 março 2011

1/3 ESTREIA - VIP's

Wagner Moura, o mestre dos disfarces – como a Revista Bravo chamou na edição deste mês – estreia hoje nas telonas brasileiras com um multifacetado e trambiqueiro protagonista: o estelionatário Marcelo da Rocha, que ficou conhecido por se passar pelo filho do dono de uma grande empresa aérea durante um carnaval no Recife. O prazer do golpe acertou o jovem em cheio e o fez persistir no crime, aliando necessidade de sustento e alegria por poder enganar.

O estilo bipolar de interpretação que só Moura sabe imprimir em seus personagens (ora explosivo, ora contido) combina perfeitamente com o roteiro de VIP’s, que exige um protagonista-camaleão que não se limite a apenas enganar o espectador, mas também a se fundir com a própria ficção, tomando para si a realidade do mundo irreal.

VIP’s
LANÇAMENTO: 2011 (BRASIL)
DIREÇÃO: TONIKO MELO
GÊNERO: DRAMA
VONTADE: 10,0

Mais cinco lançamentos chegam hoje aos cinemas daqui. São eles:

SUCKER PUNCH – MUNDO SURREAL (Sucker Punch) EUA, 2011. Direção: Zack Snyder. Gênero: Ação. Elenco: Emily Browning, Abbie Cornish, Jena Malone, Vanessa Hudgens, Jamie Chung, Carla Gugino, Jon Hamm, Scott Glenn.
VONTADE: 9,0

SEM LIMITES (Limitless) EUA, 2011. Direção: Neil Burger. Gênero: Suspense/Drama. Elenco: Bradley Cooper, Robert De Niro, Anna Friel e Abbie Cornish.
VONTADE: 7,0

O RETRATO DE DORIAN GRAY (Dorian Gray) Reino Unido, 2009. Direção: Oliver Parker. Gênero: Suspense. Elenco: Ben Barnes, Ben Chaplin, Colin Firth, Fiona Shaw, Rebecca Hall.
VONTADE: 4,0

ATIVIDADE PARANORMAL EM TÓQUIO (Paranormal Activity: Tokyo Night) Japão, 2010. Direção: Toshikazu Nagae. Gênero: Terror. Elenco: Aoi Nakamura, Noriko Aoyama.
VONTADE: 5,0

FELIZ QUE MINHA MÃE ESTEJA VIVA (Je Suis Heureux que ma Mère Soit Vivante) França, 2009. Direção: Claude Miller e Nathan Miller. Gênero: Drama. Elenco: Vincent Rottiers, Sophie Cattani, Christine Citti.
VONTADE: 6,0

Até semana que vem com mais lançamentos aqui no 1/3 ESTREIA.

20 março 2011

TOP 2008 - Onde os Fracos Não Têm Vez

Na cerimônia do Oscar 2008, o maior vencedor da noite foi Onde os Fracos Não Têm Vez, grande projeto dos irmãos Ethan e Joel Coen, que escreveram, produziram e dirigiram este obra-prima do cinema contemporâneo. Antes de levarem a estatueta, no entanto, os cineastas tiveram que desbancar mais quatro candidatos a melhor filme daquele ano: Juno, Sangue Negro (There Will Be Blood), Desejo e Reparação (Atonement) e Conduta de Risco (Michael Clayton). Na data em que o Oscar completava 80 aninhos de existência, um faroeste funesto e cruel levou a melhor na luta pelos louros da Academia.

Mais do que um simples faroeste, Onde os Fracos Não Têm Vez destrincha o cenário que serviu de pano de fundo para as aventuras do Velho Oeste antigamente e hoje são assoladas pelos ventos da modernidade. Bom, o filme que venceu o Oscar há 3 anos vem afirmar exatamente o contrário. Vem mostrar que os fracos não tem vez no ambiente seco e inóspito dos desertos sulistas dos EUA, ambiente que interfere na conduta de quem por lá resolve adotar como sua casa. A lição central do longa é dada pelo xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) que, a beira da aposentadoria, reclama da subversão moral que os jovens implantam na sociedade atual com suas tatuagens, piercings e modas modernosas. Como contraponto, é desafiado pelo psicopata Anton Chigurh (Javier Bardem), típico representante da frieza e insensibilidade dos assassinos que, nos ditos bons tempo por Bell, eram os pilares da lei dos homens no oeste.

Dividido entre a falta do sentimento de pertencimento da sociedade contemporâneo e a estranheza de ter de perseguir um exemplo legítimo dos tempos maniqueístas, Bell, apesar de parecer um mero coadjuvante, tem papel essencial no roteiro, que constrói um retrato realista da violência humana, mesmo que com base num personagem quase desumano de tão cruel. Acontece que para embasar sua tese, os irmãos Coen tinham de lançar mão de um vilão com uma conduta exagerada, nível que Javier Bardem conseguiu de maneira exemplar explorar em seu antagonista (pelo seu trabalho, levou a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante para casa). A inexistência de senso de humor, o calculismo e uma moral individual e única permeiam os motivos pelos quais Anton mata indiscriminadamente (para ele, o grande objetivo de sua vida, sua missão ditada por Deus, é assassinar).

No lado mais fraco da corda fica Llewelyn Moss (Josh Brolin), um caçador nada esperto que, ao encontrar um traficante de drogas morto no meio do deserto, resolve pegar uma valise cheia de dinheiro que estava em posse do morto, mesmo sabendo que logo seria procurado por alguém para reaver os dólares. Esse alguém é Chigurh, responsável por protagonizar a principal ação da trama: uma perseguição eletrizante e sanguinolenta, que deixa de queixo caído qualquer espectador. Esse é o grande mérito do longa: conseguir ser atraente tanto para aqueles que adoram filmes de ação e suspense muito violentos, além de também agradarem os amantes do cinema de qualidade, dos filmes que, além de boas atuações, fotografias maravilhosas e histórias super interessantes, promovem discussão, reflexão e um crescimento cultural para quem os assiste.

ONDE OS FRACOS NÃO TÊM VEZ (NO COUNTRY FOR OLD MEN)
LANÇAMENTO: 2007 (EUA)
DIREÇÃO: ETHAN COEN/ JOEL COEN
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,5

18 março 2011

1/3 ESTREIA - Invasão do Mundo: Batalha de Los Angeles

A cine-semana que tem início hoje reserva muitas estreias, mas nenhum lançamento apetitoso o suficiente para merecer minha pontuação máxima de VONTADE. Como sou fã convicto de filmes de alienígena, resolvi homenagear a mais nova produção dedicada e nossos amiguinhos ET’s que Hollywood preparou. Se já na bastasse o nacionalismo exacerbado dos cineastas americanos em obras dedicadas aos extraterrestres (ao mostrar a superioridade estadunidense sobre os seres de outro mundo), o longa estreante se passa no epicentro da produção mundial: Los Angeles (pra quem não sabe, cidade da qual Hollywood é distrito).

E para comprovar minha tese, o roteiro conta o início do fim do mundo a partir do momento em que criaturas desconhecidas invadem os quatro cantos do planeta para roubar nossa água (sempre com armas superiores e tecnologia mais avançada que os meros humanos). Enquanto tudo rui, uma tropa de fuzileiros navais é convocada para proteger Los Angeles. Simples e declarado assim. Que se dane o resto. O que importa é que Los Angeles (metonímia que simboliza todo o território dos Estados Unidos) fique intacta, para que a existência do mundo (que na mente americana depende da preservação dos EUA) não seja perturbada.

INVASÃO DO MUNDO: BATALHA DE LOS ANGELES (BATTLE: LOS ANGELES)
LANÇAMENTO: 2011 (EUA)
DIREÇÃO: JONATHAN LIEBESMAN
GÊNERO: AÇÃO/ FICÇÃO CIENTÍFICA
VONTADE: 9,0

Além deste, estréiam hoje nos cinemas brasileiros mais algumas produções. Acompanhe abaixo:

SEXO SEM COMPROMISSO (No Strings Attached) EUA, 2011. Direção: Ivan Reitman. Gênero: Comédia/ Romance. Elenco: Natalie Portman, Ashton Kutcher, Kevin Kline, Cary Elwes, Greta Gerwig, Lake Bell, Olivia Thirby, Ludacris.
VONTADE: 7,5

JOGO DE PODER (Fair Game) EUA, 2010. Direção: Doug Liman. Gênero: Suspense. Elenco: Naomi Watts, Sean Penn, Ty Burrell, Brooke Smith, Thomas McCarthy, Jessica Hecht, Noah Emmerich, Bruce McGill, Sam Shepard.
VONTADE: 5,5

ASSASSINO A PREÇO FIXO (The Mechanic) EUA, 2010. Direção: Simon West. Gênero: Policial. Elenco: Jason Statham, Ben Foster, Donald Sutherland, Tony Goldwyn.
VONTADE: 4,0

CÓPIA FIEL (Copie Conforme) França/ Itália, 2010. Direção: Abbas Kiarostami. Gênero: Drama. Elenco: Juliette Binoche, William Shimell e Adrian Moore.
VONTADE: 8,0

NÃO ME ABANDONE JAMAIS (Never Let Me Go) EUA/ Reino Unido, 2010. Direção: Simon West. Gênero: Drama / Ficção científica. Elenco: Carey Mulligan, Andrew Garfield, Keira Knightley.
VONTADE: 5,0

O SEQUESTRO DE UM HERÓI (Rapt) França, 2009. Direção: Lucas Belvaux. Gênero: Policial. Elenco: Yvan Attal, Anne Consigny, Marc Rioufol, André Marcon.
VONTADE: 2,0

ANIMAIS UNIDOS JAMAIS SERÃO VENCIDOS (Konferenz der Tiere) Alemanha, 2010. Direção: Reinhard Klooss Holger Tappe. Gênero: Animação. Elenco: Vanessa Redgrave (Winifred), Andy Serkis (Charles), James Corden (Billy), Dawn French (Angie), Stephen Fry (Socrates), Jim Broadbent (Winston).
VONTADE: 1,0

Semana que vem tem mais 1/3 ESTREIA. Bom fim de semana a todos.

16 março 2011

TOP 2007 - Os Infiltrados

Antes de criticar uma produção do mestre Martin Scorsese, resolvi ler algumas resenhas de Os Infiltrados, filme vencedor do prêmio máximo no Oscar 2007, que encontrei na internet (a melhor maneira de evitar escrever besteiras). Encontrei uma expressão inusual que me deixou, no mínimo, instigado: orgasmo visual. Achei super adequada para representar toda a tensão pela qual o roteiro faz passar os espectadores durante as duas horas e meia de duração do longa que faz o cineasta voltar a retratar em suas obras a máfia urbana, o caos violento que se instaura por entre os becos da cidade – sua especialidade absoluta, por meio da qual desbanca qualquer outro que ouse competir com sua direção. Foi por causa de Os Infiltrados que Scorsese finalmente (na verdade, tardiamente) ganhou seu primeiro reconhecimento da Academia, tenho sido simplesmente omitido em anos de lançamento de obras-primas como Táxi Driver, Touro Indomável e Os Bons Companheiros.

Voltando a falar do melhor filme de 2007, somos apresentados a uma intrincada teia de mentiras, traições e corrupções envolvendo o Departamento de Polícia Estadual de Boston e a máfia irlandesa que lidera as negociações comerciais da periferia da cidade. O chefe da máfia, Frank Costello (interpretado magistralmente por um pervertido, violento e engraçado Jack Nicholson), treina um garoto desde sua mais tenra idade para se tornar um grande policial que tenha predileção pela máfia e possa se tornar infiltrado de Costello para facilitar a vida dos mafiosos.

O escolhido é Collin Sullivan (um dissimulado e resignado Matt Damon), que encontra como sua maior pedra no sapato o policial aparentemente rebaixado Billy Costigan (Leonardo Di Caprio, numa das melhores atuações de sua carreira). A verdade é que, a mando de Queenan, o chefe do departamento de infiltrados da polícia, Costigan se passa por mafioso e passa a trabalhar para Costello como um de seus homens de confiança.

Sem nunca terem se visto, Costigan e Sullivan mutuamente atrapalham o trabalho do outro, num jogo de gato-e-rato impressionante. Com a intenção de anteciparem os passos do outro, máfia e polícia garantem para o espectador momentos de tensão absoluta, de êxtase, fazendo com que não consigamos tirar os olhos da tela. Scorsese foi muito feliz ao entrar de cabeça nesse projeto, que é uma adaptação livre de Conflitos Internos, produção chinesa de 2003, que não possui no entanto o vigor e a tensão criados pela versão americana.

A interpretação do elenco (que é de peso) está deslumbrante, mas acho que o grande destaque da produção fica por conta da montagem (que inclusive ganhou uma estatueta naquele ano). O ritmo frenético das conspirações do roteiro é transpassado para a estética do filme, que possui cenas duplicadas, cortes secos, rápidos e inesperados, transposição de ambientes, passagens intercaladas, enfim, uma série de atributos que garantem uma verdadeira aula de cinema durante a sessão.

A violência obviamente está presente (assim como em todos os filmes de Scorsese), mas de uma maneira que se torna necessária para compor a grandeza narrativa da produção, que não abusa do sangue para conseguir público. É um filme mais voltado para o universo masculino, mas não pode de jeito algum ser comparado com as medíocres ações à la Van Damme que, lançadas aos montes, servem apenas como canalizador de violência reprimida do espectador. Aqui, a complexidade e o aprofundamento cinematográfico falam mais alto.

Em 2007, a disputa ao prêmio de Melhor Filme do ano estava acirradíssima. É que mais quatro excelentes produções disputavam o posto juntamente com Os Infiltrados. São elas: Babel (uma das melhores obras do espanhol Alejandro Iñárritu), o épico A Rainha (The Queen), que inclusive deu a Helen Mirren o título de melhor atriz do ano, desbancando o trabalho perfeito de Meryl Streep como Miranda Priestly em O Diabo Veste Prada; o divertido Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine) e Cartas de Iwo Jima (Letters From Iwo Jima), obra da fase contemporânea do astuto Clint Eastwood, que consegue chegar a excelência como ninguém.

OS INFILTRADOS (THE DEPARTED)
LANÇAMENTO: 2006 (EUA)
DIREÇÃO: MARTIN SCORSESE
GÊNERO: DRAMA/ POLICIAL
NOTA: 9
,0

12 março 2011

TOP 2006 - Crash - No Limite

Depois de Paul Thomas Anderson analisar a sociedade americana com seu belo Magnólia e Sam Mendes destrinchar os problemas de típicas famílias contemporâneas em Beleza Americana, Paul Haggis, com o mesmo brilhantismo com o qual escreveu o roteiro de Menina de Ouro, criou Crash – No Limite, longa de 2005 que levou a estatueta de Melhor Filme do Oscar 2006 para casa. A produção é genial e supera os antecessores supracitados por não apontar soluções, mas apenas traçar uma teia intrincada de situações que leve o espectador e tirar suas próprias conclusões e, diante de uma identificação com algum dos personagens (o que acho inevitável), não ser influenciado por nenhum desfecho arbitrário que o roteiro imponha.

Diferentemente de Magnólia, as histórias que se cruzam em Crash são mais bem amarradas, são mais verossímeis e, por serem constituídas por personagens de todos os nichos sociais, agregam valor a todos os tipos de público. Assim como o título sugere, as situações vividas no longa são fruto das colisões da vida, dos encontros que nos fazem refletir sobre nossas existências e avaliar quem somos e o que estamos fazendo para melhorar a convivência com nossos contemporâneos num mundo cada vez mais individualista.

Como mote central da trama, o preconceito é o sentimento mais presente nas cenas, recheadas das mais diversas situações, que não se resumem a apenas expor as fragilidades dos personagens, mas também aflorar suas fraquezas, sugar suas culpas e gerar a expurgação do remorso de viver alienado a uma realidade imposta. Para dar vida a esses problemas do século XXI, Los Angeles, uma das cidades mais capitalistas do mundo, é o cenário ideal para expor o labirinto de frustrações de um casal negro rico, um policial autoritário e seu parceiro passivo a seus desmandos, uma família latina que sofre com a desconfiança de um empresário islâmico, brancos com preconceito dos negros, negros com preconceito dos brancos e dos próprios negros, enfim, com um realismo impressionante, somos apresentados a nosso próprio mundo, que muitas vezes nos passa despercebido, enquanto estamos presos em nossas redomas de vidro, sendo necessários “acidentes”, como os demonstrados no filme, para nos darmos conta de que estamos errados.

As atuações estão inebriantes, e até mesmo Sandra Bullock e Brendan Fraser (insossos na maioria das vezes) conseguem mostrar um talento adormecido. Além da expertise do roteiro, que também é assinado por Haggis, a edição e a fotografia estão brilhantes. Prefiro nem comentar sobre a trilha sonora por medo de ser simplista demais diante de tamanha qualidade. De modo geral, Crash é um daqueles filmes obrigatórios a todos, independentemente de sexo, cor, raça, idade ou etnia.

No Oscar 2006, além de melhor filme, Crash levou mais 2 prêmios para casa: Roteiro Original e Montagem. Uma das maiores polêmicas da noite foi a obra de Haggis ter desbancado O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain), grande favorito da noite, com oito indicações. Os dois realmente eram adversários competentes (e seria muito interessante que o romance gay entre cowboys levasse a melhor) mas evidentemente Crash ainda é superior em alguns aspectos, tendo sido uma vitória apertada, mas justa. Além destes dois, concorreram ao prêmio-mor do Oscar mais três longas. São eles: Capote, Boa Noite e Boa Sorte (Good Night, And Good Lucky) e Munique (Munich), de Steven Spielberg.

CRASH – NO LIMITE (CRASH)
LANÇAMENTO: 2005 (EUA/ ALEMANHA)
DIREÇÃO: PAUL HAGGIS
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,7

11 março 2011

1/3 ESTREIA - Rango

Ultimamente os faroestes têm invadido a minha vida de maneira substancial. Desde minha sessão mais que inesquecível de Os Imperdoáveis, obra-prima de Eastwood que venceu a categoria de Melhor Filme no Oscar 1993, passei a acompanhar de perto alguns trabalhos de Sérgio Leone, o mestre italiano do bang bang, e produções de John Wayne, que imortalizou personagens memoráveis do gênero. O último foi Bravura Indômita, remake do sucesso de 1969, comandado dessa vez pelos irmãos Coen, dupla de diretores que vem conquistando público e crítica desde os anos 90.

Nessa sexta, estreia nos cinemas brasileiros a animação Rango, que mistura a fantasia do universo infantil com a aridez do Velho Oeste. A história acompanha o dilema de um camaleão (de nome idêntico ao título do filme) que fica perdido no deserto de Mojave (Califórnia – EUA) e vai parar numa vila que sofre com a falta d’água. Para fugir da implicância dos pistoleiros locais, o animal (que é dublado por Johnny Depp) tem de recorrer a seu principal instinto de sobrevivência: a camuflagem. Porém, parece que de uma forma estranha o bichinho perdeu a capacidade de se misturar ao ambiente.

RANGO
LANÇAMENTO: 2011 (EUA)
DIREÇÃO: GORE VERBINSKI
GÊNERO: ANIMAÇÃO
VONTADE: 10,0

O rol de novidades ainda conta com mais cinco lançamentos essa semana. Acompanhe:

PASSE LIVRE (Hall Pass) EUA, 2011. Direção: Bobby Farrelly e Peter Farrelly. Gênero: Comédia. Elenco: Owen Wilson, Jason Sudeikis, Christina Applegate, Jenna Fischer.
VONTADE: 4,0

MISTÉRIO DA RUA 7 (Vanishing on 7th Street) EUA, 2010. Direção: Brad Anderson. Gênero: Terror. Elenco: John Leguizamo, Hayden Christensen, Thandie Newton.
VONTADE: 8,0

EM UM MUNDO MELHOR (Hævnen) Dinamarca/ Suécia, 2010. Direção: Susanne Bier. Gênero: Drama. Elenco: Mikael Persbrandt, Ulrich Thomsen, Wil Johnson.
VONTADE: 7,0

CORPOS CELESTES. Brasil, 2010. Direção: Marcos Jorge e Fernando Severo. Gênero: Drama. Elenco: Dalton Vigh, Rodrigo Cornelsen, Carolina Holanda.
VONTADE: 3,0

DOCE VINGANÇA (I Spit on Your Grave) EUA, 2010. Direção: Steven R. Monroe. Gênero: Terror. Elenco: Sarah Butler, Chad Lindberg, Tracey Walter, Daniel Franzese.
VONTADE: 9,0

Semana que vem volto com mais um 1/3 ESTREIA. Até!

09 março 2011

TOP 2005 - Menina de Ouro

A qualidade do cinema de Clint Eastwood, desde seu último faroeste em 1992 (Os Imperdoáveis), ganha cada vez mais estilo, profundidade dramática e beleza. O cineasta de mais de 80 anos só se dedica a projetos que falam alguma coisa de si mesmo, numa espécie de filmografia autobiográfica. Alguns temas são recorrentes em suas obras, como a culpa, o remorso, o apego, o rancor, a desilusão, a saudade, a família e a expurgação dos pecados. Quanto mais sábio se torna, Eastwood aumenta sua capacidade de nos presentear com longas sinceros, delicados e extremamente bons. É uma pena que não tenha começado mais cedo, dedicando mais da sua já extensa carreira como diretor com obras-primas como Menina de Ouro, vencedor da categoria Melhor Filme no Oscar 2005.

O filme é todo poesia, permeado de detalhes do roteiro que garantem momentos inesquecíveis para o espectador e para a história do cinema, que ganha em qualidade de direção e interpretação. A riqueza e profundidade dramática fazem com que uma obra que é aparentemente centrada no boxe ganhe inúmeros contornos, impossibilitando quaisquer rótulos. Falando em boxe, é ele o catalisador dos sofrimentos dos três principais personagens: o treinador e dono de academia Frankie Dunn (o próprio Eastwood), o encarregado pela limpeza da academia e ex-pugilista Eddie Scrap-Iron Dupris (Morgan Freeman – vencedor do prêmio de Melhor Coadjuvante naquele ano) e a garçonete que sonha em competir nos ringues Maggie Fitzgerald (Hilary Swanky).

Frankie sofre com a distância física e emocional da filha, Eddie com a perda de um oho durante sua última luta e o consequente ostracismo na carreira de boxeador e Maggie busca carinho, companhia e uma forma de ajudar a família pobre (que mais tarde se mostra bem ingrata) por meio de seu sonho de ser campeã mundial. Machista e cansado da vida, Frankie não aceita treinar uma mulher quando Maggie chega em sua academia. Ela é franzina e totalmente descoordenada, mas mostra sua determinação ao longo de dias e noites que passa treinando sem parar. Dunn decide ajudá-la, e os dois, juntamente com Eddie (que mora num quartinho nos fundos da academia) se tornam tudo que eles têm na vida.

Com treinamento pesado e altas doses de companheirismo, Maggie chega ao patamar que tanto desejava, lutando ao lado da campeã do mundo de boxe. Um incidente, no entanto, muda a vida de todos, mostrando para o rabugento Frankie o verdadeiro valor das pessoas e o quanto Maggie foi responsável por colocar um pingo de esperança no coração de pedra dele. Sem assistir com os olhos de cinéfilo e conhecer a obra de Eastwood, é difícil diferenciar Menina de Ouro de qualquer outro dramalhão oitentista que só serve para derrubar lágrimas dos espectadores (o que no meu caso teria funcionado, já que chorei muito assistindo a película).

A diferença está no tratamento imagético, dramático e interpretativo que só um gênio como Clint pode fazer. Mesmo o longa não possuindo a ousadia técnica de diretores como Danny Boyle, Tarantino e Scorsese (movimentações inusitadas de câmera, angulações inovadoras, cortes imprevisíveis e montagem inusual), é uma experiência única que deve ser vivenciada o mais rápido possível por aqueles que ainda não tiveram essa oportunidade.

Na cerimônia do Oscar em 2005, Menina de Ouro conquistou 4 estatuetas das sete indicações que possuía, sendo elas filme, diretor, atriz e ator coadjuvante. Ainda concorreram ao título de Melhor Filme do ano os longas-metragens a seguir: Ray, Sideways – Entre Umas e Outras (Sideways), o scorsesiano O Aviador (The Aviator) e Em Busca da Terra do Nunca (Finding Neverland).

MENINA DE OURO (MILLION DOLLAR BABY)
LANÇAMENTO: 2004 (EUA)
DIREÇÃO: CLINT EASTWOOD
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,5

07 março 2011

TOP 2004 - O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei

Não sou fã da coleção de livros (por falta de tempo para ler), desconheço várias nuances da história e faz mais de 5 anos que assisti a trilogia completa, mas posso garantir, depois de passar mais de três horas em frente a TV revendo O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, que ele é um dos melhores filmes que assisti em toda minha vida. Foi na cerimônia do Oscar de 2004 que a última parte da tripla empreitada cinematográfica encabeçada por Peter Jackson levou onze estatuetas da Academia (foi indicada em todas) se igualando, em quantidade de prêmios, aos clássicos Ben-Hur e Titanic. Somente de bilheteria foram mais de 2 bilhões de dólares, ocupando o terceiro lugar no ranking das maiores arrecadações de todos os tempos.

A história, criada pelo britânico J. R. R. Tolkien nas décadas de 30 e 40 do século passado, chega ao seu fim quando os hobbits Frodo e Sam finalmente alcançam a Montanha da Perdição, nas terras de Mordor, a fim de destruir o Um Anel, devolvendo aos homens o poder da Terra-Média, roubado por Sauron. São tantos detalhes, como nomes de pessoas e lugares, que não seria possível, nem interessante, dedicar muito tempo em características do roteiro, até porque a maioria dos que estão lendo já assistiram o filme e só estariam se informando de algo já sabido (não desmerecendo o trabalho dos roteiristas, que é estupendo – prova foi a premiação de melhor roteiro adaptado em 2004).

Vou, por este motivo, concentrar-me nas belezas da produção que nos saltam aos olhos e à mente assim que somos transportados às aventuras das criaturas fantásticas da Terra-Média. As cenas de guerra, extremamente bem ambientadas numa realidade que se assemelha a nossa Idade Média, são perfeitas, recheadas de uma sincronia impressionante entre elenco vivo e criações computadorizadas e gigantescas, colossais. Quem já havia se impressionado com as centenas de figurantes nos combates realizados nos dois primeiros longas não imagina que, numa superação sem precedentes, a equipe técnica da parte final da trilogia cria imensidões de tropas, que se perdem aos olhos do espectador, e nos impressionam com sua veracidade.

Não podia ser diferente. Se em outras tentativas a última parte de uma trilogia nunca conseguiu superar a qualidade de seus antecessores, em O Senhor dos Anéis Peter Jackson não só conquistou esse feito, como também pôs O Retorno do Rei na lista das melhores obras cinematográficas de todos os tempos. Se não dou 10,0 para o filme, é porque dentre todos os gêneros, o épico não consegue fazer com que a minha identificação com o filme seja completa, mas em nada esse argumento pessoal tira o preciosismo do longa. Quem por motivo ou outro ainda não teve a oportunidade de verificar com os próprios olhos a grandeza de O Senhor dos Anéis, não pode perder mais tempo.

Falando sobre a votação da Academia em 2004, ela concedeu 11 oportunidades de que O Senhor dos Anéis levasse uma estatueta. E não é que os eleitores entraram na jogo e premiaram a obra com todas os onze prêmios de que dispunham? Não sobrou para ninguém. Exceto as premiações de atuação, que nem sequer indicaram alguém do elenco para a pendenga, quase todos os outros titulos foram conquistados pela obra máxima de Peter Jackson. Coitadas das produções que, realizadas ao longo de 2003, tiveram que disputar com O Senhor... para levar para casa algum prêmio.

No caso dos candidatos à categoria Melhor Filme, os perdedores foram: Encontros e Desencontros (Lost in Translation), de Sofia Coppola; Seabiscuit – Alma de Herói (Seabiscuit), Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo (Master and Commander: The Far Side of The World) e uma das obras- primas de Clint Eastwood: Sobre Meninos e Lobos (Mystic River).

OBS: Peter Jackson já começou o processo de produção de O Hobbit, que na literatura vem cronologicamente antes do primeiro O Senhor dos Anéis. A história será dividida em dois longas, que serão lançados, respectivamente, em dezembro de 2012 e 2013, e prometem ser tão bons ou melhores que a trilogia que lançou o diretor no rol de bam-bam-bans do cinema.

O SENHOR DO ANÉIS: O RETORNO DO REI (THE LORD OF THE RINGS: THE RETURN OS THE KING)
LANÇAMENTO: 2003 (EUA/ NOVA ZELÂNDIA)
DIREÇÃO: PETER JACKSON
GÊNERO: AÇÃO/ AVENTURA/ DRAMA
NOTA: 9,9

06 março 2011

TOP 2003 - Chicago

Se me dão o direito de divagar e até ser um pouco petulante, acho que a Academia não pode conceder premiações para simplesmente alimentar sua política de compensações. Caso não tenha sido entendido, refiro-me às estatuetas lançadas nas mãos daqueles que não mereciam estar ali naquela ocasião, mas sim no ano anterior e, por motivo ou outro, foram injustiçados, tendo que aguardar mais doze meses para botar a mão no que, de direito, perderam. Essa prática, no entanto, é prejudicial para as obras que deixam de ser prestigiadas para dar lugar aos injustiçados, uma vez que, mesmo merecedoras, são relegadas ao limbo cinematográfico do esquecimento.

Na prática, pudemos acompanhar recentemente essa canalhice quando Colin Firth não levou o título de melhor ator do ano pelo trabalho soberbo que desenvolveu em Direito de Amar (2010), abocanhando, na última semana, a estatueta pela atuação não mais que decente no superestimado O Discurso do Rei. Outro caso ocorreu no biênio 2002/2003, quando Moulin Rouge – Amor em Vermelho perdeu para Uma Mente Brilhante no ano par, arrastando para 2003 a oportunidade de um musical – um dos gêneros mais esquecidos do cinema – renascer para o gosto do público e crítica. A vitória de Chicago como melhor filme corrobora a idéia de que produções medianas têm espaço no topo do pódio, mas só às custas de injustiças que vitimizaram filmes competentes.

Os eleitores reservaram para Chicago o excesso de 13 indicações, que renderam 6 estatuetas para a obra, incluindo Filme, Atriz Coadjuvante para Catherine Zeta-Jones, Figurino, Montagem, Som e Direção de Arte. Motivo provável? No ano anterior, o filme responsável por reviver o gênero musical, Moulin Rouge, levou apenas dois prêmios técnicos, deixando com um ranço de remorso os membros da Academia que, mesmo lidando com fortes concorrentes ao prêmio máximo na premiação de 2003, entregaram nas mãos de Chicago a estatueta-mor.

O Pianista (The Pianist), As Horas (The Hours), Gangues de Nova Iorque (Gangs of New York) e O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (The Lord of The Rings: The Two Towers). Esses foram os adversários que não conseguiram bater o musicaleco passado nos anos 20 que conta a história de Roxie Hart (Renée Zellweger) e sua busca desenfreada por fama após assassinar o próprio amante. Na cadeia conhece a vedete Velma Kelly (Catherine Zeta-Jones), que também busca absolvição por homicídio duplo (matou a irmã e o marido após descoberta de traição).

Juntas, e ainda acompanhadas pelo advogado charlatão Billy Flynn (Richard Gere), oportunista nato, as duas imaginam inúmeras (e até excessivas) situações que são musicadas e se transformam em números dançantes à la cabaré. Os sonhos frequentes povoam o imaginário das outras detentas, que entram na dança junto das protagonistas. E isso é Chicago: simplesmente uma reprodução do que víamos antes, nos anos 40 e 50, época de ouro dos musicais. Sem o minimo de preocupação em atualizar temas, estilos e ideias, é meramente assistível.

CHICAGO
LANÇAMENTO: 2002 (EUA)
DIREÇÃO: ROB MARSHALL
GÊNERO: MUSICAL
NOTA: 6,0

05 março 2011

TOP 2002 - Uma Mente Brilhante

Brilhante. Esse é o adjetivo ideal para representar as inúmeras qualidades do vencedor do Oscar 2002 na categoria Melhor Filme: Uma Mente Brilhante. Brincadeiras com o título do longa a parte, ele é carismático a ponto de prender a atenção de qualquer espectador ao longo das mais de duas horas de duração. A trama central permeia (quase) toda a vida de John Nash, matemático famoso por ter levado o Nobel de 1994 devido a suas idéias revolucionárias na área de planejamento estratégico-militar e pela competência em achar padrões numéricos de comportamento em atividades cotidianas, como movimentos de pombos, descobertas que influenciam teorias econômicas até hoje. Nash passou os anos 40 e 50 buscando uma idéia original que o levasse a se destacar entre os colegas, que o fizesse ser amado por meio de uma socialização mais efetiva. Ele conseguiu, mas abrindo mão de sua plena saúde mental, tendo desenvolvido um grave estado de esquizofrenia.

O longa se presta a contrastar a relação entre as limitações mentais e a genialidade do protagonista, que em certo ponto da história desconhece a diferença entre o que é real e imaginário, quem são as pessoas que realmente se preocupam ou aquelas que, imaginadas pelo subconsciente afetado, existem apenas para confundir a noção de realidade de John. Nós, como espectadores, somos inseridos na trama de uma tal forma que vivemos sua doença e nos confundimos com suas confusões. Outro mérito da obra é que ela não se preocupa em manter em segredo as surpresas do roteiro, que são lançadas assim que a história exige, construindo, mesmo dessa forma, um ritmo pulsante e ágil.

Um dos grandes responsáveis pelo êxito de Uma Mente Brilhante é Russell Crowe, que dá vida a um típico intelectual recluso, sem a mínima capacidade de socialização . Os trejeitos criados pelo ator (que geralmente se presta a personagens parrudos e insensíveis) são extremamente sutis e caracterizam com humanidade impressionante a imagem do matemático biografado. Infelizmente Crowe perdeu o título de melhor ator do ano para Denzel Washington (Dia de Treinamento), que também fez um ótimo trabalho, mas nada comparado ao preciosismo de Russell.

Além de filme, Uma Mente Brilhante levou para casa as outras três indicações que obteve (diretor para Ron Howard - O Código da Vinci, Cocoon – atriz coadjuvante para Jennifer Connelly – que interpretou Alicia, esposa de Nash – e roteiro adaptado). Falando um pouco sobre Connelly, além de seu talento, os dois olhos azuis que a atriz juvenil carrega foram essenciais para cativar público e crítica. O sofrimento pelo qual sua personagem passa (presa entre o fim do amor pelo marido doente e a responsabilidade de continuar ao lado dele) constitui uma complexidade dramática que Jennifer conseguiu captar e transpor para a tela de forma exuberante.

Como o roteiro se passa entre os anos 40 e 90, o trabalho de maquiagem teve de envelhecer (e muito) a maioria dos personagens, desafio vencido da melhor maneira possível pela equipe técnica, que não recebeu o prêmio de melhor maquiagem daquele ano (explicação: concorreu com O Senhor dos Anéis) mas produziu um trabalho histórico para o cinema. Os concorrentes de Uma Mente Brilhante na categoria Melhor Filme foram: Moulin Rouge – Amor em Vermelho (Moulin Rouge!), Entre Quatro Paredes (In The Bedroom), Assassinato em Gosford Park (Gosford Park) e O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (The Lord of The Rings: The Fellowship of The Ring).

UMA MENTE BRILHANTE (A BEAUTIFUL MIND)
LANÇAMENTO: 2001 (EUA)
DIREÇÃO: RON HOWARD
GÊNERO: DRAMA
NOTA: 9,0

04 março 2011

1/3 ESTREIA - Lope

“Eu, Tu, Eles” e “Casa de Areia”, as duas produções mais reconhecidas da filmografia do diretor carioca Andrucha Waddington, juntam-se a Lope, mais novo longa dirigido pelo cineasta, que trocou o Brasil pela Espanha para contar a história do poeta e dramaturgo Félix Lope de Vega. No final do século XVI, ao retornar da guerra, ele passa a escrever comédias e vendê-las em Madrid para se sustentar, até o momento em que, me meio a aventuras amorosas proibidas, conhece um grande amor.

Todo falado em espanhol, o longa conta com atuações de nossos conhecidos Sônia Braga e Selton Melo, além de um rico elenco espanhol. É o primeiro do gênero (biografia épica) a ser encabeçado por um brasileiro e tem tudo para fazer sucesso por aqui (ganhou vários prêmios na Europa, onde passou por festivais antes de cruzar o equador). À la Shakespeare Apaixonado (mas de qualidade superior, segundo especulações – tomara), Lope busca teatralizar os fatos reais e mostra o preciosismo do trabalho de Waddington e sua equipe.

LOPE
LANÇAMENTO: 2010
DIREÇÃO: ANDRUCHA WADDINGTON
GÊNERO: DRAMA/ ROMANCE
VONTADE: 8,0

E não para por aí. O final de semana de ressaca do Oscar reserva mais três lançamentos para os cinéfilos de plantão. Lá vai:

ESPOSA DE MENTIRINHA (Just Go With It) EUA, 2010. Direção: Dennis Dugan. Gênero: Comédia. Elenco: Jennifer Aniston, Adam Sandler, Brooklyn Decker.
VONTADE: 4,0

GNOMEU E JULIETA (Gnomeo and Juliet) EUA/ Reino Unido, 2011. Direção: Kelly Asbury. Gênero: Animação/ Comédia. Elenco: Jason Statham, James McAvoy, Matt Lucas, Ozzy Osbourne, Michael Caine, Stephen Merchant, Emily Blunt.
VONTADE: 2,0

VOVÓ...ZONA 3 – TAL PAI TAL FILHO (Big Mommas: Like Father, Like Son) EUA, 2011. Direção: John Whitesell. Gênero: Comédia. Elenco: Martin Lawrence, Emily Rios, Faizon Love.

VONTADE: 0

Semana que vem tem mais. Até lá. Bom carnaval a todos.

02 março 2011

TOP 2001 - Gladiador

O grande vencedor do primeiro Oscar do milênio na categoria Melhor Filme deu para os espectadores a mesma sensação que os antigos romanos obtinham quando, extasiados pela diversão sanguinolenta, assistiam aos massacres injustos entre gladiadores e seus adversários, na maior parte das vezes mais fortes que eles. É a tal da dobradinha pão e circo, que mantinha as governanças opressoras com o consentimento popular mediante políticas públicas assistenciais e divertimento barato (mais ou menos o que o Lula tentou implantar nos últimos oito anos, respeitadas as devidas proporções).

Está óbvio que falo de Gladiador, uma das obras mais fracas da carreira do diretor Ridley Scott, que abocanhou cinco estatuetas na edição 2011 do Academy Awards, incluindo Melhor Filme, Ator e prêmios técnicos, como Figurino, Efeitos Visuais e Som. O épico tem lá suas qualidades, mas peca (e muito) na composição de um quadro de histórias de vida reais mescladas com a ficção. Pode até ter sido de propósito, mas acho que essa mistura interferiu um pouco na recepção e na fruição dos espectadores.

Outra injustiça cometida foi a premiação de Russell Crowe como melhor ator do ano, tendo ele concorrido com os superiores (naquela circunstância) Tom Hanks (por Náufrago), Javier Bardem (por Antes do Anoitecer) e Geoffrey Rush (por Contos Proibidos do Marquês de Sade). Crowe deveria ter ganhado a mesma estatueta apenas um ano depois, pela atuação em Uma Mente Brilhante, o que não aconteceu. Como o ex-general romano que é acusado de traição, condenado à morte, mas que escapa e inicia uma jornada de vingança contra seu algoz (o próprio imperador), Russell está operacional, numa atuação verticalizada, uniforme, sem dinamismo. Em se tratando da vitória da estatueta de Melhor Filme, até que os outros candidatos foram desbancados justamente, como você pode conferir a seguir. Foram eles: Traffic, Erin Brockovich – Uma Mulher de Verdade (Erin Brockovich), O Tigre e o Dragão (Wo Hu Cang Long) e Chocolate (Chocolat). Entre os indicados, vamos combinar que Gladiador é o que consegue ser mais completo.

Mesmo assim, oferece nada mais do que diversão e imagens bonitas para o espectador, que não tem nem vontade de torcer pelo sucesso do protagonista, como aconteceu com William Wallace em Coração Valente, por exemplo. Faltou a criação de uma identificação maior dos receptores com os personagens, que são representados de um modo frio, maniqueísta, isento de proximidade com quem os assiste. A atratividade das lutas no Coliseu sem dúvida funciona, principalmente quando me refiro à predileção de certas pessoas por entretenimento gratuito, sem profundidade artística.

Revelando um pouco do roteiro, Gladiador conta a história de um gladiador (ooohhhh!) que busca a vingança após sua condenação a morte e o assassinato de sua família. Antes do novo ofício, Maximus (Crowe) era um general importante do exército romano, braço direito e provável herdeiro do trono após a morte de Marcus Aurelius, fato de desagrada o herdeiro oficial do trono, Commodus (Joaquin Phoenix), que resolve adiantar o fim da vida do pai antes do anúncio de Maximus como novo imperador. Além disso, condena o rival à morte e enforca esposa e filho do protagonista. Sozinho no mundo, Maximus consegue fugir, mas não vê sentido em mais nada a não ser se vingar do assassino de sua família. Aos poucos se consagra como gladiador, sob o pseudônimo de espanhol, e gradativamente chega mais perto de Commodus.

GLADIADOR (GLADIATOR)
LANÇAMENTO: 2000 (EUA/ REINO UNIDO)
DIREÇÃO: RIDLEY SCOTT
GÊNERO: AÇÃO/ DRAMA
NOTA: 7,5